Apesar de as premissas estarem corretas, no retorno do recesso forense sobrevém o susto e a sensação de desfalecimento quando se recebe decisão de intempestividade.
Fonte: Migalhas
Chega o recesso forense do final de ano e os advogados, aliviados, saem tranquilos para suas merecidas férias cientes de que o art. 220 do CPC deixa claríssimo que se suspende “o curso do prazo processual nos dias compreendidos entre 20 de dezembro e 20 de janeiro, inclusive”. Suspirando animados, lembram, ainda, que os prazos serão contados em dias úteis e somente a partir do dia 20 de janeiro. Que beleza!
Só que não. Apesar de as premissas estarem corretas, no retorno do recesso forense sobrevém o susto e a sensação de desfalecimento quando se recebe decisão de intempestividade. É que as leis de organização judiciária (bem como portarias e resoluções dos tribunais editadas anualmente) guardam uma peculiaridade que pode passar despercebida aos advogados, mas não à jurisprudência já pacificada do Superior Tribunal de Justiça.
A lei de Organização da Justiça Federal (lei Federal 5.010/96) indica em seu art. 62, inciso I, que “serão feriados na Justiça Federal, inclusive nos tribunais superiores: I – os dias compreendidos entre 20 de dezembro e 6 de janeiro, inclusive”. A lei de Organização Judiciária do Distrito Federal repete o mesmo texto (lei 11.697/08, art. 60¹), o que se encontra em inúmeras outras leis de organização judiciária país afora², bem como nos regimentos internos, portarias e resoluções de tribunais pátrios.
Como se observa, o Código de Processo Civil indica que os prazos processuais estão suspensos entre 20 de dezembro e 20 de janeiro, inclusive. Já as citadas leis de organização judiciária (portarias, resoluções e regimentos internos) dizem que será feriado o período entre 20 de dezembro a 6 de janeiro, inclusive. O que isso tem de importante para fins de contagem de prazos?
O Superior Tribunal de Justiça³ tem entendido que as leis de organização judiciária citadas indicam que, a partir do dia 7 de janeiro, reiniciam-se as atividades internas dos tribunais com a prática de atos processuais, como publicação e intimação. Isso ocorre em razão da disposição expressa constante do § 1º do art. 220 do CPC no sentido de que os juízes, os membros do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Advocacia Pública e os auxiliares da Justiça exercerão suas atribuições normalmente, ressalvadas as férias individuais e os feriados instituídos por lei. Assim, embora os prazos estejam suspensos por todo o período de 20 de dezembro a 20 de janeiro, por força do caput do art. 220 do CPC, as publicações podem ocorrer normalmente nesse período.
E aí mora o perigo.
Se a disponibilização da decisão ocorreu no Diário de Justiça durante o feriado previsto no art. 62, inciso I, da lei 5.010/96, considera-se que ela foi publicada no primeiro dia útil seguinte ao dia 6 de janeiro (art. 224, § 3º, CPC), permanecendo suspenso os prazos até o dia 20 de janeiro (art. 220, caput, do CPC). O termo a quo para a contagem dos prazos, portanto, é o primeiro dia útil subsequente a 20 de janeiro, ou seja, dia 21 de janeiro.
Exemplificando: considerando o dia 7 de janeiro como data da publicação, o prazo recursal se inicia no dia 21 de janeiro, primeiro dia útil após a suspensão do prazo do art. 220 do CPC (art. 224, § 3º, do CPC). Ou seja, não se pode considerar o dia 21 de janeiro como data da publicação e o início do prazo no dia 22 de janeiro. Deve-se entender que a publicação ocorreu em 7 de janeiro e, portanto, o prazo recursal se inicia no primeiro dia após a suspensão do prazo do art. 220 do CPC, i.e., dia 21 de janeiro e não dia 22 de janeiro.
É importante observar, por fim, que o art. 62 da lei de Organização Judiciária da Justiça Federal, também vale para os tribunais superiores, conforme se lê do seu caput. Ainda, os regimentos internos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça dispõem no mesmo sentido4. Isso é relevantíssimo porque prevalece a mesma lógica de contagem de prazos no âmbito no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal com relação às publicações ocorridas entre 20 de dezembro a 6 de janeiro.
Diante de tais considerações, prezados colegas, que o próximo recesso forense do final de ano se concretize com felizes encontros entre amigos e familiares sem máscaras e sem sustos no retorno ao batente.
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1. Art. 60. Será considerado feriado forense o período compreendido entre 20 de dezembro e 6 de janeiro.
2. Acre (LC 221, 30/12/10, art. 37, § 1º, inciso I); Mato Grosso do Sul (lei 5.011, 05.07.1994, art. 268); Minas Gerais (LC 59, 18/1/01, art. 313, § 5º, inciso II); Paraíba (LC 96, de 03/12/10, art. 283); Amazonas (LC 17, 23/01/97, art. 267, parágrafo único); Rio de Janeiro (lei 6.956, 13/1/15, art. 66, § 1º); Rio Grande do Norte (LC 643, de 21/12/18, art. 97); Rondônia (LC 94, 03/11/93, art. 61, § 3º); Espírito Santo (LC 234, art. 141, alínea “e”); Santa Catarina (RITJSC, art. 159); São Paulo (RITJSP, art. 116, § 2º); Sergipe (RITJSE, art. 27-A); Mato Grosso (lei 4.964, 2612/85, art. 231); Tocantins (RITJTO, art. 356, alínea “b”).
3. Precedentes STJ: AgInt no ARESP 1.693.821/RJ, Min. Gurgel de Faria, DJe 23.03.2020; AgRg no ARESP 593.623/PR, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, DJe 19.02.2015; Ag Int no ARESP 1.468.810/GO, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJe 10/9/19; AgInt nos EDcl no RESP 1.806.309/PR, Ministra Nancy Andrighi, DJe 1/4/20; AgInt nos EDcl no RESP 1.814.598/PR, Rel. Ministro Og Fernandes, DJe 2/3/20; AgInt no ARESP 1.535.246/SE, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, DJe 17/3/20.
4. RISTF: Art. 78, § 1º.
RISTJ: Art. 81 O ano judiciário no Tribunal divide-se em dois períodos (…)
§ 2º Além dos fixados em lei, serão feriados no Tribunal: I – os dias compreendidos entre 20 de dezembro e 1º de janeiro; (Emenda Regimental 16, de 19/11/14).
Renata Barbosa Fontes (sócia fundadora da Advocacia Fontes S/S) com a colaboração e pesquisa de Pedro Henrique Alves de Assis Brotas (estagiário da Advocacia Fontes S/S)
Fonte: https://www.migalhas.com.br/